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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Tráfico de entorpecente: substituição de pena e fixação de regime - Informativo n. 663 - STF



Tráfico de entorpecente: substituição de pena e fixação de regime
No crime de tráfico de entorpecente, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem assim a fixação de regime aberto são cabíveis. Essa a orientação da 2ª Turma ao conceder dois habeas corpus para determinar que seja examinada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. No HC 111844/SP, após a superação do óbice contido no Enunciado 691 da Súmula do STF, concedeu-se, em parte, de ofício, a ordem, ao fundamento de que, caso o paciente não preenchesse os requisitos necessários para a referida substituição, dever-se-ia analisar o seu ingresso em regime de cumprimento menos gravoso. No HC 112195/SP, reputou-se que o condenado demonstrara atender as exigências do art. 33, § 2º, c, do CP e, portanto, teria direito ao regime aberto.
HC 111844/SP, rel. Min. Celso de Mello, 24.4.2012. (HC-111844)
HC 112195/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 24.4.2012. (HC-112195)

Tráfico: causa de aumento e transporte público - 1 Informativo n. 666 STF


Primeira Turma

Tráfico: causa de aumento e transporte público - 1
A 1ª Turma, por maioria, deferiu, em parte, habeas corpus para reduzir, da pena imposta, a causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006 (“As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos”). No caso, a paciente fora presa em flagrante delito quando trazia consigo, dentro de ônibus coletivo público intermunicipal, maconha proveniente do Paraguai, para ser entregue na cidade de São Paulo. Diante deste fato, com aplicação das causas de aumento de pena previstas no art. 40, I e III, da Lei de Drogas, fora condenada a 6 anos e 8 meses de reclusão.
HC 109538/MS, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Rosa Weber, 15.5.2012. (HC-109538)

Tráfico: causa de aumento e transporte público - 2
Entendeu-se que, com base em interpretação teleológica, o disposto no art. 40, III, do mencionado diploma, referir-se-ia a comercialização em transporte público, não alcançando a situação de o agente ter sido surpreendido quando trazia consigo droga em ônibus intermunicipal, sem que nele a tivesse vendido. Por fim, fixou-se em 5 anos e 10 meses a reprimenda e indeferiu-se o pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, em razão de a condenação superar 4 anos (CP, art. 44, I e II). Vencido o Min. Luiz Fux, relator, que indeferia a ordem, por reputar correto o acórdão do STJ, que considerava que a causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006 deveria incidir nos casos em que o agente utilizasse transporte público com grandes aglomerações de pessoas para passar desapercebido, a tornar a traficância mais fácil e ágil, o que bastaria, para sua incidência, o simples uso desse tipo de transporte.
HC 109538/MS, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Rosa Weber, 15.5.2012. (HC-109538)

Inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. STF informativo 670. Cumprimento de pena.

 CUMPRIMENTO DE PENA


Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena - 1
O Plenário julgou prejudicado habeas corpus, afetado pela 1ª Turma, em que discutida a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Na espécie, os pacientes foram condenados, pela prática do crime de tráfico de entorpecentes privilegiado, a penas inferiores a oito anos de reclusão. Alegava a defesa que, de acordo com a regra geral prevista no Código Penal, caberia a imposição de regime inicial semiaberto e que, portanto, a norma impugnada atentaria contra o princípio da individualização da pena. Ocorre que os pacientes estariam, atualmente, em livramento condicional, daí a perda superveniente de objeto do presente writ.
HC 101284/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012. (HC-101284)

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena - 2
Em seguida, o Plenário iniciou julgamento de habeas corpus em que também se debate a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. No caso, o crime de tráfico perpetrado pelo paciente, que resultara em reprimenda inferior a oito anos de reclusão, ocorrera na vigência da Lei 11.464/2007, que instituíra a obrigatoriedade de imposição de regime de pena inicialmente fechado a crimes hediondos e assemelhados. O Min. Dias Toffoli, acompanhado pelos Ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, concedeu a ordem, para alterar o regime inicial de pena para o semiaberto. Incidentalmente, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, na parte em que contida a obrigatoriedade de fixação de regime fechado para início de cumprimento de reprimenda aos condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados. Inicialmente, o relator destacou que o juízo de piso, em análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, estabelecera a pena-base em 1/6 acima do mínimo legal, no total de seis anos de reclusão e 600 dias-multa. Ademais, fixara regime inicial fechado exclusivamente com fundamento na lei em vigor. Observou que não teriam sido referidos requisitos subjetivos desfavoráveis ao paciente, considerado tecnicamente primário. Assim, entendeu desnecessário o revolvimento fático-probatório para concluir-se pela possibilidade da pretendida fixação do regime semiaberto para início de cumprimento de pena.
HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012. (HC-111840)

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena - 3
Ressaltou que a Corte, ao analisar o HC 97256/RS (DJe de 16.12.2010), declarara incidenter tantum a inconstitucionalidade dos artigos 33, § 4º, e 44, caput, da Lei 11.343/2006, na parte em que vedada a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito de tráfico. Ponderou que a negativa de substituição, naquele caso, calcara-se exclusivamente na proibição legal contida no referido art. 44, sem qualquer menção às condições pessoais do paciente, o que não seria possível. Afirmou que o legislador facultaria a possibilidade de substituição com base em critérios objetivos e subjetivos, e não em função do tipo penal. Ressaltou que se a Constituição quisesse permitir à lei essa proibição com base no crime em abstrato, teria incluído a restrição no tópico inscrito no art. 5º, XLIII, da CF. Desse modo, a convolação de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deveria sempre ser analisada independentemente da natureza da infração, mas em razão de critérios aferidos concretamente, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucionalmente ao indivíduo. Sublinhou que, à luz do precedente citado, não se poderia, em idêntica hipótese de tráfico, com pena privativa de liberdade superior a quatro anos — a impedir a possibilidade de substituição por restritiva de direitos —, sustentar a cogência absoluta de que o cumprimento da reprimenda se desse em regime inicialmente fechado, como preconizado pelo § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Consignou que a Constituição contemplaria as restrições a serem impostas aos incursos em dispositivos da Lei 8.072/90, e dentre elas não se encontraria a obrigatoriedade de imposição de regime extremo para início de cumprimento de pena. Salientou que o art. 5º, XLIII, da CF, afastaria somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena.
HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012. (HC-111840)

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena - 4
Assinalou que, a partir do julgamento do HC 82959/SP (DJe de 1º.9.2006), o STF passara a admitir a possibilidade de progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos, tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Frisou que essa possibilidade viera a ser acolhida, posteriormente, pela Lei 11.464/2007, que modificara a Lei 8.072/90, para permitir a progressão. Contudo, estipulara que a pena exarada pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados seria, necessariamente, cumprida inicialmente em regime fechado. Concluiu que, superado o dispositivo adversado, deveria ser admitido o início de cumprimento de reprimenda em regime diverso do fechado, a condenados que preenchessem os requisitos previstos no art. 33, § 2º, b; e § 3º, do CP.
HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012. (HC-111840)

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena - 5
Os Ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, em divergência, indeferiram a ordem. O Min. Luiz Fux registrou que a restrição, quanto ao regime inicial de cumprimento de pena, em relação a crimes hediondos, seria opção legislativa. Aludiu que o Judiciário, nesse campo, deveria ter postura minimalista e respeitar a orientação do legislador ordinário, visto que, no Estado Democrático de Direito, a supremacia seria do parlamento. A primazia judicial, por sua vez, só se instauraria em vácuo legislativo, o que não seria o caso. Apontou que o constituinte originário preocupara-se com os delitos perturbadores da higidez estatal. Por esse motivo, a Constituição estabelecera que a lei consideraria crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tráfico ilícito de entorpecentes. Advertiu acerca da gravidade do tema, razão pela qual o legislador constitucional elegera o tráfico de drogas como delito a merecer especial proteção de lei. Articulou que, se a Constituição não permitiria a liberdade em si, na forma de graça, anistia ou fiança, a lei ordinária poderia atuar na escala de valoração da pena, que também abarcaria seu regime de execução. Assim, a lei discutida não seria inconstitucional, apenas atenderia a mandamento da Constituição no sentido de tratar de modo especial o crime de tráfico. Deduziu que a proibição legal justificar-se-ia em razão da presunção de periculosidade do crime e de seu agente, a merecer maior rigor. Enfatizou que, do contrário, haveria estímulo à conduta.
HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012. (HC-111840)

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena - 6
Discorreu, por outro lado, que a execução penal em regime fechado faria parte do contexto da repressão penal, eleita pelo Estado como eficiente para combater delito que preocupara especialmente o constituinte originário. Ademais, entendimento diverso levaria à conclusão de que o art. 33, § 2º, a, do CP, a exigir o cumprimento de pena superior a oito anos em regime inicialmente fechado, seria também inconstitucional, bem como todas as penas mínimas. Ressurtiu que o tratamento legal dado a essa espécie de crime não objetivaria que o cidadão cumprisse a pena em regime fechado, mas teria por escopo a inibição da prática delitiva. Assim, as penas graves e o regime inicial igualmente severo fariam parte dessa estratégia de prevenção. O Min. Marco Aurélio acrescentou que assertiva no sentido de que o preceito em voga seria inconstitucional levaria, de igual modo, à conclusão de que a prisão provisória por trinta dias, na hipótese de crimes hediondos, seria incompatível com a Constituição. Da mesma maneira, seria necessário inferir-se quanto aos requisitos para progressão de regime no que concerne aos crimes da Lei 8.072/90. Estatuiu que o princípio da individualização da pena deveria ser contextualizado, e que aquele que cometesse crime de menor gradação não poderia ter o mesmo regime inicial de cumprimento de pena relativo a quem perpetrasse delito de maior gravidade, como os crimes hediondos. Após, deliberou-se suspender o julgamento para aguardar o voto dos demais Ministros.
HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 14.6.2012. (HC-111840)


sábado, 28 de julho de 2012

CONCURSOS PÚBLICOS E OAB: Em sede de mandado de segurança, quais as hipótese...

CONCURSOS PÚBLICOS E OAB: Em sede de mandado de segurança, quais as hipótese...: A encampação, também chamada de resgate, é instituto estudado pelo Direito Administrativo. Trata-se da retomada coercitiva do serviço p...

Qual seria o maior problema do Direito Penal Econômico: a desnecessidade de uma tutela penal diante de outras possibilidades de sancionamento ou os equívocos do legislador na formulação da legislação penal econômica?


Qual seria o maior problema do Direito Penal Econômico: a desnecessidade de uma tutela penal diante de outras possibilidades de sancionamento ou os equívocos do legislador na formulação da legislação penal econômica? 

IARA BOLDRINI SANDES*


Essas indagações estão associadas a duas diversas visões do direito penal. Para aqueles que acham que o direito penal não deve intervir na atividade econômica, sendo substituído por um direito administrativo sancionador, o maior problema seria o primeiro, ou seja, a desnecessidade de uma tutela penal diante de outras possibilidades de sancionamento. Para aqueles que acham que o direito penal pode intervir, o maior problema seria o segundo, que são os equívocos do legislador na formulação da legislação penal econômica, porque é muito difícil definir as condutas penalmente relevantes com um grau adequado de taxatividade.

Acredita-se que um dos maiores problemas do direito penal econômico de hoje seja os equívocos do legislador na formulação da legislação penal econômica.  Atualmente, o direito penal está passando por um período de transformação, decorrente não só da evolução da sociedade, mas, também, dessa nova dimensão nos vários âmbitos surgidos da criminalidade, que advém da própria evolução da sociedade. A criminalidade se tornou mais moderna, mais sofisticada, mais organizada, equipada, técnica, ou seja, “mais inteligente”, dificultando ainda mais a descoberta do fato criminoso, do próprio criminoso e, até mesmo, das próprias pessoas lesadas pelas ações dessa nova geração da criminalidade. Surge aí uma criminalidade com um novo foco de atenção, qual seja, a criminalidade econômica. De acordo com BAJO FERNANDEZ (1987, p. 394), a criminalidade econômica seria “o conjunto de normas jurídico-penais que protegem a ordem econômica, entendido como regulação jurídica do intervencionismo estatal na Economia”.

O direito penal deixa de tutelar somente direitos individuais como a vida, a liberdade, a integridade física, para contemplar em sua estrutura a proteção de direitos supra-individuais ou coletivos (ROCHA JR, 2012).

Sustenta parte da doutrina que se acompanha nas últimas décadas uma crescente criminalização de condutas no âmbito do que se convencionou denominar de direito penal secundário, em oposição à criminalidade clássica. Assumindo, o direito penal, para dentro de seus domínios, a responsabilidade de atuar como norma de reforço num domínio característico do direito administrativo, com a implementação de tipos penais de conteúdo econômico, social, tributário, financeiro e de proteção do meio ambiente, inflacionando, por assim dizer, o campo de incidência do direito penal. Logo, importa-se saber como instrumentalizar novas categorias de delitos que se apresentam com uma característica diversa daquela para a qual sempre foi estruturado e pensando o direito penal, de maneira a não desestabilizá-lo como instrumento de ultima ratio, somente sendo chamado a atuar quando as outras instâncias de controle social falhar, ao mesmo tempo impedindo que sirva de mero instrumento de cumprimento de metas administrativas, de políticas sociais, econômicas e do meio ambiente. Ademais, expansão do direito penal  tem apresentado vários obstáculos ao pleno exercício das garantias constitucionais como a mitigação do princípio da legalidade, devido à criação de tipos penais abertos em excesso; o uso desregrado das chamadas normas penais em branco, com especial gravidade quando o legislador penal confere a administração pública a possibilidade de complementar o núcleo do tipo penal, por meio da edição de normas e regulamentos infra-legais ou administrativos; a criação de crimes de perigo abstrato, sem que seja levada em consideração a relevância penal do fato em concreto ou a efetiva lesividade do fato praticado, editando o legislador penal verdadeiros crimes de mera presunção de lesão ao bem jurídico que se busca tutelar; a desconsideração, em situações de fato, no curso da persecução penal, do princípio da culpabilidade, notadamente quando as supostas ações delituosas são praticadas no âmbito e no interesse de pessoas jurídicas e etc. (ALMEIDA, 2012).

De fato, em virtude da limitada capacidade de criminalização secundária de executarem toda a tarefa a elas proposta pelas leis criminais, elas se vêem constrangidas a agir de modo seletivo, ou seja, as agências de criminalização secundária selecionarão as condutas que serão investigadas, em detrimento de outras tantas condutas que, não obstante serem igualmente crimes, serão ignoradas, diante do critério da seletividade (ZAFFARONI et. al., 2003). A dificuldade é grande tanto em “escolher” a conduta que será criminalizada, quanto em se saber qual é ou não penalmente relevante, na questão da taxatividade.

Continuam a doutrina que para se ter um tratamento igualitário por parte do direito penal seria no sentido de se abarcar tanto os comportamentos lesivos praticados pela população de baixa renda, quanto os comportamentos lesivos praticados pelas elites em seus respectivos âmbitos de atuação. O direito penal econômico, além de não cumprir a sua missão de tratar todos de forma igual, através do atingimento de setores antes imunes, estende sua desigualdade até o ponto em que as pessoas beneficiadas com os atos (acionistas, controladores, diretores mais graduados e etc.) sequer seriam incomodados (ROCHA JR, 2012). E isso não se pode negar. Além disso, na ânsia de fazer com que o direito penal econômico cumpra a sua missão, o legislador se esmera em elaborar mecanismos de repressão e investigação sofisticados e muitas vezes inconstitucionais, para que o combate a tais tipos de crime seja mais eficaz.

Conclui-se, então, que o direito penal econômico, antes de estabelecer a igualdade de tratamento de todos perante a lei no âmbito do direito penal, acaba por dinamizar a própria desilgualdade que lhe é intrínseca. Seja através da sua seletividade, que se dá pela falta de cobertura; seja pela sua elitização, que, mesmo no interior de empresas e corporações onde correm crimes, acaba incidindo sobre os funcionários menos graduados, imunizando os que se beneficiaram da conduta; seja através do menor impacto dos mecanismos mais sofisticados de investigação aos que tem acesso a uma melhor defesa. O fato é que, somente se desconsiderando tais aspectos é que se pode conceber o direito penal econômico como direito penal igual para todos (ROCHA JR, 2012).



ALMEIDA, Arnaldo Quirino de. SÍNTESE DE DIREITO PENAL ECONÔMICO: A CRIMINALIDADE ECONÔMICA E A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL. Disponível em: http://arnaldoquirino.com/2012/02/11/sintese-de-direito-penal-economicosintese-de-direito-penal-economico-a-criminalidade-economica-e-a-expansao-do-direito-penal/. Acesso em: 12/02/2012.

BAJO FERNANDEZ, Miguel. Manual de Derecho Penal. Parte Especial. Madrid: Editora Ceuta, 1987.

ROCHA JR, Francisco do Rêgo Monteiro. Processo Penal, Constituição e Crítica. Criminalização dos delitos econômicos: um direito penal igual para todos? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Teoria Geral do Direito Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.


*Iara Boldrini Sandes – Advogada e Professora de Direito Penal, Especialista em Ciências Penais. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter (@IaraBoldrini). Encontre-me no Facebook.


Obs: sempre citar a fonte sob pena das lei de direitos autorais (Lei 9610/98).


sexta-feira, 27 de julho de 2012

RECURSO ESPECIAL N. 1243887 PR (Mudança de Jurisprudência no STJ no Processo Coletivo).


- RECURSO ESPECIAL: REsp 1243887 PR 2011/0053415-5

RECURSO ESPECIAL Nº 1.243.887 - PR (2011/0053415-5)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO
RECORRENTE : BANCO BANESTADO S/A
ADVOGADOS : ADRIANA TOZO MARRA
KONSTANTINOS JEAN ANDREOPOULOS
ANSELMO MOREIRA GONZALEZ
RECORRIDO : DEONÍSIO ROVINA
ADVOGADO : RENATA DEQUECH E OUTRO (S)
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇAO CIVIL PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇAO/LIQUIDAÇAO INDIVIDUAL. FORO COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇAO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE. REVISAO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇAO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).
1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput , da Lei n. 9.494/97.
2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

ACÓRDAO
A Corte Especial, por maioria, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Vencidos os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti e Março Buzzi.Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedidos os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Massami Uyeda.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Eliana Calmon, Francisco Falcão e João Otávio de Noronha.
Convocados os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Maria Isabel Gallotti e Março Buzzi para compor quórum.
Brasília (DF), 19 de outubro de 2011 (Data do Julgamento).


MINISTRO ARI PARGENDLER
Presidente


MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.243.887 - PR (2011/0053415-5)
RECORRENTE : BANCO BANESTADO S/A
ADVOGADO : LEONARDO DE ALMEIDA ZANETTI E OUTRO (S)
RECORRIDO : DEONÍSIO ROVINA
ADVOGADO : RENATA DEQUECH E OUTRO (S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):

1. A Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO, ajuizou ação civil pública em face do Banco Banestado S/A, em abril de 1998, tendo sido o feito (n. 38.765/98) distribuído à 1ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. A sentença, que transitou em julgado em 3.9.2002, julgou procedente o pedido deduzido na inicial para condenar a instituição financeira a pagar aos poupadores do Estado do Paraná, com contas em cadernetas de poupança mantidas junto à ré, as diferenças de correção monetária expurgadas em razão dos planos econômicos, entre junho de 1987 e janeiro de 1989.
Em razão do título executivo aperfeiçoado, Deonísio Rovina ajuizou execução individual na Comarca de Londrina/PR pleiteando a satisfação do que foi decidido na ação coletiva.
O Banco Banestado S/A teve sua impugnação rejeitada (fls. 85-86), decisão contra a qual foi interposto agravo de instrumento.
O agravo foi improvido nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO - ART. 557, , CPC - DECISAO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO POR SER MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA - INOCORRÊNCIA - AÇAO CIVIL PÚBLICA - EXECUÇAO DE TÍTULO JUDICIAL - FORO COMPETENTE. APLICAÇAO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 98, 2º, INCISO I, E 6º, VIII, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INAPLICABILIDADE DA REGRA GERAL DO ARTIGO 575, II E 589, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - ARTIGO 16 DA LEI 7.347/85 - DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇAO E INDENTIFICAÇAO DOS ASSOCIADOS - MULTA DO ART. 475-J DO CPC - CABIMENTO. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.

O recurso especial, apoiado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, sustenta, além de dissídio, ofensa ao art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97 e arts. 575 e 589 do CPC, relativamente à tese recursal do alcance territorial e pessoal dos efeitos da coisa julgada formada em ação civil pública.
Entende o recorrente que os limites territoriais da sentença proferida em ação civil pública não pode ser todo o território do Estado do Paraná, mas somente o território de competência do órgão prolator da decisão, o que, no caso, é a comarca de Curitiba/PR. Assim, as liquidações/execuções individuais da sentença coletiva devem tramitar necessariamente no foro prolator da sentença liquidanda/exequenda.
Por outro lado, a sentença coletiva somente deve beneficiar os exequentes que comprovem o vínculo associativo com a APADECO, à época da propositura da ação coletiva.
Aduz a recorrente, ademais, ofensa ao 475-J do CPC, porquanto a multa de 10% sobre o valor da condenação somente deve incidir quando o devedor permanecer inerte ou houver oposição de obstáculos processuais que dificulte a entrega da prestação jurisdicional. No caso, tendo a executada apresentado impugnação ao cumprimento da sentença, mediante oferecimento de bens à penhora, descabe a aplicação da multa do art. 475-J do CPC.
O recurso especial foi admitido (fls. 209-211) e, diante da multiplicidade de feitos que ascendem a esta Corte versando matéria semelhante, afetei o julgamento do recurso, pelo rito do art. 543-C do CPC, a esta colenda Corte Especial.
O Ministério Público Federal, mediante parecer subscrito pela Subprocuradora-Geral da República Maria Caetana Cintra Santos, opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, nos termos a seguir sintetizados:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS. 16 da Lei nº 7.347/85 e 2º-A da Lei nº 9.494/97. EFICÁCIA DA DECISAO PROFERIDA EM AÇAO COLETIVA. LOCAL DA EXECUÇAO. JUÍZO PROLATOR DA DECISAO. POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇAO TERRITORIAL PARA COMARCAS DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR NO MESMO ESTADO. PRECEDENTES STJ.
1. "Considerando o princípio da instrumentalidade das formas e do amplo acesso à Justiça, desponta como um consectário natural dessa eficácia territorial a possibilidade de os agravados, consumidores titulares de direitos individuais homogêneos, beneficiários do título executivo havido na Ação Civil Pública, promoverem a liquidação e a execução individual desse título no foro da comarca de seu domicílio. Não há necessidade, pois, que as execuções individuais sejam propostas no Juízo ao qual distribuída a ação coletiva". Precedentes STJ.
2. Manutenção deste entendimento consolidado para os casos repetitivos.
MULTA. ART. 475-j. PARCIAL PROVIMENTO. ADEQUAÇAO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
3. Parecer pelo conhecimento e parcial provimento do nobre apelo, apenas para adequar a aplicação da multa do art. 475-J do CPC, ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
A Federação Brasileira de Bancos - FEBRABAN, como amicus curiae , opina pelo provimento do recurso para que se declare a competência absoluta do juízo que proferiu a sentença da ação civil pública para processar e julgar as liquidações e execuções individuais (fls. 307-898).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.243.887 - PR (2011/0053415-5)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO
RECORRENTE : BANCO BANESTADO S/A
ADVOGADO : LEONARDO DE ALMEIDA ZANETTI E OUTRO (S)
RECORRIDO : DEONÍSIO ROVINA
ADVOGADO : RENATA DEQUECH E OUTRO (S)
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇAO CIVIL PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇAO/LIQUIDAÇAO INDIVIDUAL. FORO COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇAO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE. REVISAO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇAO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).
1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput , da Lei n. 9.494/97.
2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.





VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):

2. As razões do especial apresentam teses relativas a três questões controvertidas:
a) foro competente para a liquidação/execução individual de sentença proferida em sede de ação civil pública, entendendo o recorrente que essa deva ser proposta no juízo prolator da decisão;
b) alcance subjetivo da sentença proferida na ação civil pública, entendendo o recorrente haver necessidade de cada exequente comprovar ser filiado à associação autora da ação coletiva, bem como o seu domicílio, nos termos do que dispõe o art. 2º-A da Lei n. 9.494/97;
c) cabimento da multa prevista no art. 475-J do CPC.

3. Foro competente para a liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública
Saber qual o foro competente para a liquidação/execução individual de sentença coletiva tem sido tema recorrente no âmbito desta Corte Superior, obtendo solução em diversas Turmas, tanto nas de direito privado quanto nas de direito público.
A Quarta Turma, ressalte-se, é o único colegiado que possui precedente dissonante dos firmados pelas demais turmas, no qual fiquei vencido.
Refiro-me ao REsp. n. 1.113.198/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 25/8/2009, DJe 18/12/2009.
3.1. Porém, observada a devida venia , vincular o foro da liquidação/execução individual ao juízo no qual foi proferida a sentença coletiva, não me parece ser a solução mais consentânea com o sistema do Código de Defesa do Consumidor, o qual, como é de conhecimento cursivo, é também aplicado a ações civis públicas de natureza não consumerista.
Por força do art. 21 da Lei n. 7.347/85, é de se considerar, seguramente, que o Capítulo II do Título III do CDC e a Lei das Ações Civis Públicas formam, em conjunto, um microssistema próprio do processo coletivo, seja qual for a sua natureza, consumerista, ambiental ou administrativa.
Daí por que os mecanismos de facilitação de defesa do consumidor têm sido utilizados em ações de outro jaez, como corroboram os seguintes precedentes: REsp 972.902/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009; REsp 1049822/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 23/04/2009.
No que concerne ao foro competente para a liquidação/execução individual de sentença coletiva, não me impressiona a tese de que o parágrafo único do art. 97 do CDC fora vetado e por isso não se poderia admitir que o consumidor viesse a ajuizar a demanda em seu próprio domicílio, pois significaria a repristinação do dispositivo rechaçado pelo legislador.
O texto aprovado pelo Congresso Nacional era o seguinte:
Parágrafo único - A liquidação de sentença, que será por artigos, poderá ser promovida no foro do domicílio do liquidante, cabendo-lhe provar, tão-só, o nexo de causalidade, o dano e seu montante.
A mensagem do veto contou com os seguintes fundamentos:
Esse dispositivo dissocia, de forma arbitrária, o foro dos processos de conhecimento e de execução, rompendo o princípio da vinculação quanto à competência entre esses processos, adotado pelo Código de Processo Civil (Art. 575) e defendido pela melhor doutrina. Ao despojar uma das partes da certeza quanto ao foro de execução, tal preceito lesa o princípio de ampla defesa assegurado pela Constituição (Art. 5º, LV).
A bem da verdade, o veto ao parágrafo único do art. 97 não possui o condão, a meu juízo, de alterar a competência para as execuções individuais da sentença coletiva, e não é o único que, se levado ao extremo, causaria a perplexidade sustentada.
Como exemplo, basta mencionar o inciso X do art. 39 do CDC, que previa ser vedado ao fornecedor "praticar outras condutas abusivas", dispositivo também vetado pelo Executivo, o que poderia sinalizar que as práticas abusivas contidas no art. 39 seriam numerus clausus .
As razões do veto foram as seguintes:
O princípio do Estado de Direito (CF. art. ) exige que as normas legais sejam formuladas de forma clara e precisa, permitindo que os seus destinatários possam prever e avaliar as conseqüências jurídicas dos seus atos. É, portanto, inconstitucional a consagração de cláusulas imprecisas, sobretudo em dispositivo de natureza penal.

Porém, mesmo tendo sido vetada a fórmula ampliativa do inciso X - "outras cláusulas abusivas" -, são remansosas a doutrina e a jurisprudência que entendem que o art. 39 não lista, de forma exaustiva, mas exemplificativa, as práticas consideradas abusivas, exatamente porque remanesceu - no caput - fórmula semelhante, a saber: "dentre outras práticas abusivas".
Confira-se, nesse sentido, por todos, a doutrina do Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin ( Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [ et al ]. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, pp. 374-375).
Tal fato ocorre, fundamentalmente, porque o veto presidencial, mantido pelo Congresso Nacional, revela, quando muito, a vontade do legislador historicamente considerado e congelado no tempo, e a reverência exacerbada e isolada ao veto não possui a virtualidade de alcançar traços da lei de elevada importância, como sua teleologia e dinamicidade, que decorre da realidade social subjacente ao ordenamento em que se insere.
A interpretação baseada exclusivamente em veto presidencial, a par de ser demasiado simplista, nega a ação das diferentes realidades temporalmente identificadas e a formação de um "círculo hermenêutico", em que o ordenamento jurídico e a experiência jurídica mutuamente se completam, esclarecem-se e se fecundam, negando-se, também, a interpretação finalística e sistemática da norma.
A filosofia do direito, ainda em lição clássica de Carlos Maximiliano, acusa de forma incisiva o descrédito da hermenêutica que busca a interpretação na investigação da vontade do legislador - mens legislatoris - em desprezo ao espírito da lei - mens legis.
Nesse sentido:
O aplicador moderno da lei antiga, se acaso se refere à intenção do legislador, obedece a um pendor misoneísta , age sob o impulso do hábito inveterado, empresta as cores da realidade a uma figura que não vem ao caso, não cogitou do presente, não poderia prever tudo;
[...]
Em resumo: sob qualquer dos seus aspectos, a interpretação é antes sociológica do que individual. Vai caindo em vertiginoso descrédito a doutrina oposta, que se empenha em descobrir e revelar a vontade, a intenção, o pensamento do legislador. Despreza os postulados da Psicologia moderna, reduz, em demasia, o campo da Hermenêutica, assenta antes em ficções do que em verdades demonstráveis, força a pesquisas quase sempre inúteis e, em regra, não atinge a certeza colimada. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 21-25)
Nesse passo, a investigação pura e simples da vontade do legislador - parcialmente alcançada, por exemplo, com a leitura das mensagens de veto ou das exposições de motivos da lei - reduz a hermenêutica a apenas um elemento de interpretação, qual seja o histórico, olvidando-se de primado essencial à lógica jurídica, o de que o texto interpretado possui vida própria que se forma e se transforma constantemente a cada releitura.
Vale dizer, é criação que se desprendeu de seu criador tão logo veio ao mundo. E, por isso, "o intérprete é chamado a dar vida nova a um texto que por si mesmo é morto, mero símbolo do ato da vida de outra pessoa" (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? . Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993, p. p.22).
Na mesma linha, o mestre Vicente Ráo, no seu clássico O Direito e a vida dos direitos , malgrado reconheça a importância das declarações legislativas na interpretação da norma - como vetos e exposição de motivos -, aconselha não tomá-las com exclusividade, sob pena de o intérprete se afastar do real e social conteúdo da norma, bem como das condições sempre atuais de vida que a lei pretende regular.
Confira-se o seu sempre claro magistério:
Em síntese diremos: é da mais alta valia a investigação histórica para esclarecer, com o conteúdo da norma, os seus fins práticos e sociais e, consequentemente, o seu sentido jurídico; úteis também são, com caráter igualmente subsidiário e não decisivo, os antecedentes legislativos sobre a elaboração das leis, utilidade esta, que mais particularmente se manifesta quando estes trabalhos encontram expressão no conteúdo das leis; excelentes subsídios proporcionam, por sua vez, as declarações de motivos que aos textos legais se incorporam. Mas, nenhum desses elementos tem a força, por si só, de determinar um resultado único e irrecusável, na prática da interpretação.
E o abuso, bem como a exclusividade de uso do processo histórico, sob qualquer de suas modalidades, só pode causar más consequências, por afastar o intérprete do conteúdo real e social da norma, que lhe cumpre apurar, bem como de seu destino, que visa regular as condições atuais e sociais da vida individual e da vida coletiva. (RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004 (RT Clássicos), pp. 523-524)
3.2. Precisamente no que concerne às técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor, deve-se levar em conta o art. daquele diploma, o qual contém uma espécie de lente pela qual devem ser examinados os demais dispositivos, notadamente por estabelecer os objetivos da política nacional das relações de consumo - dos quais se destaca "o atendimento das necessidades dos consumidores" -, e princípios que devem ser respeitados - dos quais se eleva, em primazia, o "reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor".
Com efeito, não pode ser aceita interpretação que contradiga essas diretrizes, destacadas no Código e alçadas a "objetivos" e "princípios" da política de proteção ao consumidor, sob pena de incongruência lógica com a própria razão de ser desse diploma, ou seja, sob pena de a norma que veio, por imposição constitucional, facilitar a defesa do consumidor, está a embaraçar o acesso do consumidor à jurisdição.
Nesse sentido é o escólio de Eros Roberto Graus acerca da interpretação do Código de Defesa do Consumidor:
[...] eu diria que o art.º doCódigo de Defesa do Consumidorr é uma norma-objeto, porque define os fins da política nacional das relações de consumo, quer dizer, ela define resultados a serem alcançados. Todas as normas de conduta e todas as normas de organização, que são as demais normas que compõem o Código do Consumidor, instrumentam a realização desses objetivos, com base nos princípios enunciados no próprio art. . Para que existem, por que existem essas normas? Para instrumentar a realização dos fins definidos no art. 4º. Assim, todas as normas de organização e conduta contidas no Código do Consumidor, devem ser interpretadas teleologicamente, finalisticamente, não por opção do intérprete, mas porque essa é uma imposição do próprio Código. O que significa isso? Sabemos que a interpretação não é uma ciência, é uma prudência. Nela chegamos a mais de uma solução correta, tendo de fazer uma opção por uma delas. A circunstância de existirem normas-objeto que determinam a interpretação de normas de organização e de conduta estreita terrivelmente a possibilidade dessa opção, porque a única interpretação correta é aquela que seja adequada à instrumentação da realização dos fins, no caso, os fins estipulados no art. do CDC. (GRAU, Eros Roberto. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem (org.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 (Coleção doutrinas essenciais, v. I), pp. 165-166)
3.3. Assim, levando-se em conta os princípios norteadores para correta interpretação do código em comento, sobretudo o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, princípio esse que conduz ao subprincípio da facilitação de sua defesa em juízo, causa perplexidade determinar que o consumidor deva, necessariamente, deslocar-se ao juízo onde foi proferida a sentença coletiva, para só então promover a liquidação/execução individual.
Se o consumidor pretendesse ajuizar individualmente a ação de conhecimento, poderia fazê-lo em seu próprio domicílio, cuja execução também poderia nesse foro tramitar (art. 101, inciso I, e art. 98, 2º, inciso I, do CDC).

O entendimento baseado exclusivamente no veto presidencial ao art. 97, parágrafo único, CDC, retira do consumidor esse benefício nos casos de execução individual de sentença coletiva.
Ou seja, o benfazejo instrumento da ação civil pública, que deve facilitar o acesso do consumidor à justiça, acabaria por dificultar ou mesmo inviabilizar por completo a defesa do consumidor em juízo, circunstância que, por si, desaconselha tal interpretação.
Ademais, caso todas as execuções individuais de ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores, ações essas que comportam, por vezes, milhares de consumidores prejudicados, tivessem de ser propostas no mesmo juízo em que proferida a sentença transitada em julgado, inviabilizar-se-ia o trabalho desse foro, com manifesto prejuízo à administração da justiça.
3.4. Com efeito, deve-se franquear ao consumidor o foro do seu próprio domicílio para o ajuizamento da liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública.
De fato, muito embora tenha sido vetado o parágrafo único do art. 97, permanece hígido o art. 98, o qual possui a seguinte redação:
Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
1º A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.
É competente para a execução o juízo :
I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual ;
II - da ação condenatória, quando coletiva a execução.
Ora, o só fato de o 2º prever que é competente para a execução o juízo ou da liquidação ou da ação condenatória revela, seguramente, que o juízo da liquidação pode ser diverso do juízo da ação condenatória. O dispositivo perderia totalmente o sentido caso a liquidação de sentença devesse ser pleiteada, necessariamente, no juízo da condenação.
É claro, pois, que a melhor técnica interpretativa sugere que a lei não possui palavras inúteis.
Com efeito, havendo possibilidade de a liquidação tramitar em foro diverso da ação condenatória, não há dúvida de que esse foro diferente pode também ser o do domicílio do consumidor, levando-se em conta a existência dessa faculdade para a ação individual de conhecimento (art. 101, inciso I), bem como os princípios do próprio Código, dentre os quais se destacam o reconhecimento da vulnerabilidade (art. 4º), a garantia de facilitação de sua defesa em juízo e de acesso aos órgãos judiciários (art. 6º, incisos VII e VIII, do CDC).
Revela-se extreme de dúvidas que o dispositivo engendrou dois sistemas diversos de execução de sentença coletiva, um para o caso de execução individual, outro para o caso de execução também coletiva.
No caso de execução individual da sentença coletiva, levando-se em conta a vulnerabilidade do consumidor, há mais de um foro competente, inclusive o de seu próprio domicílio, ao passo que no caso de execução coletiva, há somente o foro da sentença condenatória.
Confira-se, nesse sentido, a doutrina de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin:
O 2º do art. 98 difere a execução coletiva da individual em matéria de competência para a execução. Em relação à execução individual, prevê a competência do juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória. Trata-se de regra que deve ser interpretada, como, de resto, todo o Código, em benefício do consumidor-exequente, de modo a atender seu direito básico de facilitação de acesso à justiça (art. 6º, VIII). Assim, parece-nos que, ao mencionar os dois, o CDC determina uma faculdade ao exequente, criando norma especial em matéria processual, a qual tem preferência em relação à regra geral do art. 575, II, do CPC. Trata-se de interpretação que contempla, mais uma vez, a razão de ser do CDC em matéria de ações coletivas, que é a de oferecer uma adequada tutela ao direito de grandes contingentes de consumidores lesados em razão de uma mesma conduta ilícita do consumidor. Admitir-se a prevalência da vinculação entre o juízo competente para o processo de conhecimento e para a execução seria desnaturar a essência das ações coletivas, permitindo situações esdrúxulas como a de um consumidor lesado que tenha domicílio em Manaus, que, para ter seu direito admitido, deveria interpor a respectiva execução em Porto Alegre, na hipótese de nesta cidade ter sido interposta a ação de conhecimento.
Esta situação foi criada, é verdade, pelo veto presidencial oferecido ao art. 97, parágrafo único do Código, que permitia a dissociação entre o juízo do processo de conhecimento e o da liquidação de sentença. Tivesse prevalecido a redação aprovada no Congresso Nacional, as duas possibilidades de foro competente para a execução estariam evidenciadas: o fora da ação de conhecimento ou o da liquidação, podendo este ser distinto a critério do consumidor. Com o veto ao art. 97, é preciso interpretar o art. 98 em conformidade com o espírito do CDC, que, como insistimos repetidas vezes, tem por idéia forçar a promoção do direito de acesso do consumidor à justiça. Assim, ao permitir ambos, e considerando que, em matéria de ação coletiva, a habilitação do consumidor equivale, em termos práticos, ao exercício da pretensão, nada mais correto do que interpretar-se este artigo em conformidade com o disposto no artigo, 101, I, do CDC, que admite o foro da ação individual no domicílio do consumidor. Trata-se não apenas de uma interpretação útil, mas coerente e sistemática das disposições do Código em matéria de competência. Se, nas ações individuais, admite-se expressamente, a regra do domicílio como foro competente, com igual ou maior razão deve-se admitir também para a liquidação das ações coletivas, sob pena de o consumidor, como mencionamos, ser obrigado a promover liquidação em foro completamente estranho a qualquer do elementos de fato envolvidos na relação jurídica determinada pela conduta ilícita do fornecedor, e reconhecida pela sentença em liquidação."(BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 1.096-1.097)
Ada Pellegrini Grinover corrobora tal entendimento:
E se execução for individual? O inc. I do 2º dos dispositivo ligava-se aos dispositivo do parágrafo único do art. 97, que foi vetado. Este determinava que o foro competente para a liquidação da sentença poderia ser o do domicílio do liquidante, daí derivando a regra ora sub examine, no sentido de o juízo competente poder, correlatamente, ser o da liquidação da sentença ou da ação condenatória.
O fato é que, mesmo vetado o parágrafo único do art. 97, o inc. I, do 2º do art. 98 permanece íntegro. A lei não pode conter disposições inúteis. É preciso dar conteúdo ao dispositivo em tela e a única interpretação capaz de fazê-lo parece ser aquela que, reportando-se ao disposto no art. 101, inc. I, e aplicando-o por analogia, extrai do sistema a regra de competência de foro do domicílio do liquidante, ora vetada. (GRINOVER, Ada Pellegrini...[et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de janeiro: Forense Universitária. 2004. p. 891)
3.5. A jurisprudência deste Sodalício também sufraga tal entendimento:
RECURSO ESPECIAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO. EXECUÇAO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA NO JULGAMENTO DE AÇAO COLETIVA. FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE PREVENÇAO DO JUÍZO QUE EXAMINOU O MÉRITO DA AÇAO COLETIVA. TELEOLOGIA DOS ARTS. 98, 2º, II E 101, I, DO CDC.
1. A execução individual de sentença condenatória proferida no julgamento de ação coletiva não segue a regra geral dos arts. 475-A e 575, II, do CPC, pois inexiste interesse apto a justificar a prevenção do Juízo que examinou o mérito da ação coletiva para o processamento e julgamento das execuções individuais desse título judicial.
2. A analogia com o art. 101, I, do CDC e a integração desta regra com a contida no art. 98, 2º, I, do mesmo diploma legal garantem ao consumidor a prerrogativa processual do ajuizamento da execução individual derivada de decisão proferida no julgamento de ação coletiva no foro de seu domicílio.
3. Recurso especial provido.
(REsp 1.098.242/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 28/10/2010)
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RECURSO ESPECIAL. ART. 105, INCISO III, ALÍNEA C, DA CF. COTEJO ANALÍTICO. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS. INEXISTÊNCIA. EXECUÇAO.
COMPETÊNCIA. DOMICÍLIO DO AUTOR. POSSIBILIDADE.
1. Não se conhece do recurso especial, interposto com base no art. 105, inciso III, alínea c, da CF, quando o recorrente limita-se a transcrever ementas de julgados, enfatizando trechos e argumentos que se alinham ao pleito recursal, sem providenciar, porém, o necessário cotejo analítico, a fim de demonstrar a similitude fática entre os casos decididos, na forma dos artigos 541, parágrafo único, do CPC, e 255, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Precedentes.
2. Os artigos 98, inciso I, e 101, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor, permitem que a liquidação e execução de sentença coletiva sejam feitas no domicílio do autor.
3. Não se pode obrigar os beneficiários de sentença coletiva a liquidá-la e executá-la no foro em que a ação coletiva fora processada e julgada, sob pena de inviabilizar a tutela dos seus direitos.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(REsp 1.122.292/GO, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/9/2010, DJe 4/10/2010)
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PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AÇAO COLETIVA. EXECUÇAO INDIVIDUAL NO DOMICÍLIO DO AUTOR. FORO DIVERSO DO FORO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS LEIS 8.078/90 E 7.347/85. CONFLITO CONHECIDO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DO ESTADO DO AMAZONAS.
1. As ações coletivas lato sensu ação civil pública ou ação coletiva ordinária visam proteger o interesse público e buscar a realização dos objetivos da sociedade, tendo, como elementos essenciais de sua formação, o acesso à Justiça e a economia processual e, em segundo plano, mas não de somenos importância, a redução dos custos, a uniformização dos julgados e a segurança jurídica.
2. A sentença coletiva (condenação genérica, art. 95 do CDC), ao revés da sentença que é exarada em uma demanda individualizada de interesses (liquidez e certeza, art. 460 do CPC), unicamente determina que as vítimas de certo fato sejam indenizadas pelo seu agente, devendo, porém, ser ajuizadas demandas individuais a fim de se comprovar que realmente é vítima, que sofreu prejuízo e qual o seu valor.
3. O art. 98, I, do CDC permitiu expressamente que a liquidação e execução de sentença sejam feitas no domicílio do autor, em perfeita sintonia com o disposto no art. 101, I, do mesmo código, que tem como objetivo garantir o acesso à Justiça.
4. Não se pode determinar que os beneficiários de sentença coletiva sejam obrigados a liquidá-la e executá-la no foro em que a ação coletiva fora processada e julgada, sob pena de lhes inviabilizar a tutela dos direitos individuais, bem como congestionar o órgão jurisdicional.
5. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Amazonas/AM, o suscitado.
(CC 96.682/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇAO, julgado em 10/02/2010, DJe 23/03/2010)
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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. AÇAO CIVIL PÚBLICA. EXECUÇAO. COMPETÊNCIA. FORO QUE PROLATOU A SENTENÇA EXEQUENDA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE. ESCOLHA DO FORO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA.
1. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico de que a sentença proferida em ação civil pública (ACP) faz coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão julgador que a prolatou (art. 16 da Lei nº 7.347/1985, na redação dada pela Lei nº 9.494/1997).
2. A sentença proferida na ação civil pública proposta pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (APADECO) contra o BANCO DO BRASIL S/A teve seus efeitos estendidos, pelo Tribunal estadual, a todos os poupadores do Estado do Paraná que mantiveram contas de poupança iniciadas ou renovadas até 15.06.87 e 15.01.89.
3. A Terceira Turma deste Sodalício, levando em consideração os efeitos da sentença proferida na aludida ação, bem como aplicando os princípios da instrumentalidade das formas e do amplo acesso à Justiça, passou a entender não haver obrigatoriedade das execuções individuais serem propostas no mesmo Juízo ao qual distribuída a demanda coletiva, podendo o consumidor fazer uso do foro da comarca de seu domicílio.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 633.994/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 24/06/2010)
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AÇAO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EFICÁCIA TERRITORIAL DA SENTENÇA. EXECUÇÕES INDIVIDUAIS DO TÍTULO. JUÍZO COMPETENTE. I - A orientação fixada pela jurisprudência sobranceira desta Corte é no sentido de que a decisão proferida no julgamento de Ação Civil Pública faz coisa julgada nos limites da competência territorial do órgão que a prolatou. II - Dessa forma, se o órgão prolator da decisao é o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, cumpre concluir que o acórdão tem eficácia em toda a extensão territorial daquela unidade da federação. Por outro lado, a eficácia subjetiva do aresto, estendeu-se à todos os poupadores do Estado que mantinham contas de poupança junto ao réu.
III - Considerando o princípio da instrumentalidade das formas e do amplo acesso à Justiça, desponta como um consectário natural dessa eficácia territorial a possibilidade de os agravados, consumidores titulares de direitos individuais homogêneos, beneficiários do título executivo havido na Ação Civil Pública, promoverem a liquidação e a execução individual desse título no foro da comarca de seu domicílio. Não há necessidade, pois, que as execuções individuais sejam propostas no Juízo ao qual distribuída a ação coletiva.
IV- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 755.429/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 18/12/2009)
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Finalmente, é importante ressaltar que a Lei n.11.3233/05, que acrescentou o art.475-PP aoCPCC, no desiderato de facilitação e incremento de efetividade do processo de execução, franqueou ao vencedor optar, para o pedido de cumprimento de sentença,"pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado"(art. 475-P, parágrafo único, do CPC).
3.6. Com efeito, como ocorreu no caso dos autos, pode o consumidor ajuizar a liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública no foro do seu próprio domicílio, e não se há falar em limites territoriais da coisa julgada, como argumenta o recorrente.
Aduz o recorrente, nesse ponto, que o alcance territorial da coisa julgada se limita à comarca na qual tramitou a ação coletiva, mercê do art. 16 da Lei das Ações Civis Públicas (Lei n. 7.347/85), verbis :
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes , nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Tal interpretação, uma vez mais, esvazia a utilidade prática da ação coletiva, mesmo porque, cuidando-se de dano de escala nacional ou regional, a ação somente pode ser proposta na capital dos Estados ou no Distrito Federal (art. 93, inciso II, CDC). Assim, a prosperar a tese do recorrente, o efeito erga omnes próprio da sentença estaria restrito às capitais, excluindo todos os demais potencialmente beneficiários da decisão.
A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os"efeitos"ou a"eficácia"da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é"efeito"ou"eficácia"da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la"imutável e indiscutível".
É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os" limites da lide e das questões decididas "(art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC)- tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat .
A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.
A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.
A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (" o que "se decidiu) e subjetivo (em relação" a quem "se decidiu), mas não de competência territorial.
Pode-se afirmar, com propriedade, que determinada sentença atinge ou não esses ou aqueles sujeitos (alcance subjetivo), ou que atinge ou não essa ou aquela questão fático-jurídica (alcance objetivo), mas é errôneo cogitar-se de sentença cujos efeitos não são verificados, a depender do território analisado.
Nesse sentido é o magistério de Rodolfo de Camargo Macuso, alinhando-se às ácidas críticas de Nelson Nery e José Marcelo Menezes Vigilar:
Qualquer sentença proferida por órgão do Poder Judiciário pode ter eficácia para além de seu território. Até a sentença estrangeira pode produzir efeitos no Brasil, bastando para tanto que seja homologada pelo STF [agora STJ]. Assim, as partes entre as quais foi dada a sentença estrangeira são atingidas por seus efeitos onde quer que estejam no planeta Terra. Confundir jurisdição e competência com limites subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito.
Com efeito, o problema atinente a saber quais pessoas ficam atingidas pela imutabilidade do comando judicial insere-se na rubrica dos limites subjetivos desse instituto processual dito" coisa julgada ", e não sob a óptica de categorias outras, como a jurisdição, a competência, a organização judiciária. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores . 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 322-323)
A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual" a eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário "(REsp 293.407/SP, Quarta Turma, confirmado nos EREsp. n. 293.407/SP, Corte Especial), em hora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual objetivado na lide.
Caso contrário," esse diferenciado regime processual não se justificaria, nem seria eficaz, e o citado interesse acabaria privado de tutela judicial em sua dimensão coletiva , reconvertido e pulverizado em multifárias demandas individuais "(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit . p. 325)," atomizando "as lides na contramão do moderno processo de" molecularização "das demanas.
Com efeito, como se disse anteriormente, por força do art. 21 da Lei n.º 7.347/85, o Capítulo II do Título III do CDC e a Lei das Ações Civis Públicas formam, em conjunto, um microssistema próprio do processo coletivo, seja qual for a sua natureza, consumerista, ambiental ou administrativa.
Assim, com o propósito também de contornar a impropriedade técnico-processual cometida pelo art. 16 da LACP, a questão relativa ao alcance da sentença proferida em ações coletivas deve ser equacionada de modo a harmonizar os vários dispositivos aplicáveis ao tema.
Nessa linha, o alcance da sentença proferida em ação civil pública deve levar em consideração o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor acerca da extensão do dano e da qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo.
O norte, portanto, deve ser o que dispõem os arts. 93 e 103 do CDC, verbis :
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes , apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores , na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.
3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.
Portanto, se o dano é de escala local, regional ou nacional, o juízo competente para proferir sentença, certamente, sob pena de ser inócuo o provimento, lançará mão de comando capaz de recompor ou indenizar os danos local, regional ou nacionalmente, levados em consideração, para tanto, os beneficiários do comando, independentemente de limitação territorial.
Esse também é o entendimento de Ada Pellegrini Grinover:
De início, os tribunais não perceberam o verdadeiro alcance da coisa julgada erga omnes , limitando os efeitos da sentença e das liminares segundo critérios de competência. Logo afirmamos não fazer sentido, por exemplo, que ações em defesa dos interesses individuais homogêneos dos pensionistas e aposentados da Previdência Social ao recebimento da diferença de 147% fossem ajuizadas nas capitais dos diversos Estados, a pretexto dos limites territoriais dos diversos órgãos da justiça federal. O problema não é de competência: o juiz federal, competente para processar e julgar a causa, emite um provimento (cautelar ou definitivo) que tem eficácia erga omnes , abrangendo todos os aposentados e pensionistas do Brasil. Ou a demanda é coletiva, ou não o é; ou a coisa julgada é erga omnes, ou não o é. E se o pedido for efetivamente coletivo, haverá uma clara relação de litispendência entre as várias ações juizadas nos diversos Estados da Federação.
Por isso, sustentamos que a limitação operada por certos julgados afronta o art. 103, CDC, e despreza a orientação fornecida pelo art. 91, II, por onde se vê que a causa que verse sobre a reparação de danos de âmbito nacional ou regional deve ser proposta no foro da capital do Estado ou no Distrito Federal, servindo, evidentemente, a decisão para todo o território nacional. Esse dispositivo aplica-se aos demais casos de interesses que alcancem grupos e categorias de indivíduos, mais ou menos determináveis, espalhados pelo território nacional. (GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto . 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 942)
Embora estacionada a jurisprudência em sentido contrário, houve precedentes a sufragar o entendimento ora proposto, o qual se retoma nesta oportunidade:
Processo civil e direito do consumidor. Ação civil pública. Correção monetária dos expurgos inflacionários nas cardenetas de poupança.
Ação proposta por entidade com abrangência nacional, discutindo direitos individuais homogênios. Eficácia da sentença. Ausência de limitação. Distinção entre os conceitos de eficácia da sentença e de coisa julgada. Recurso especial provido.
- A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogênios surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa.
- A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador.
- O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 411.529/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/06/2008, DJe 05/08/2008)
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PROCESSUAL CIVIL - AÇAO CIVIL PÚBLICA - DECLARAÇAO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE - POSSIBILIDADE - EFEITOS.
[...]
3. O efeito erga omnes da coisa julgada material na ação civil pública será de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a indivisibilidade do dano ou ameaça de dano, atuando no plano dos fatos e litígios concretos, por meio, principalmente, das tutelas condenatória, executiva e mandamental, que lhe asseguram eficácia prática, diferentemente da ação declaratória de inconstitucionalidade, que faz coisa julgada material erga omnes no âmbito da vigência espacial da lei ou ato normativo impugnado.
4. Recurso especial provido.
(REsp 557646/DF, Rel. MIN. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2004, DJ 30/06/2004, p. 314)
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Finalmente, embora haja doutrina e precedentes que, para contornar o art. 16 da LACP, aduzam que o dispositivo somente possui operância quando se tratar de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito, sendo inaplicável a direitos individuais homogêneos, o fato é que - para os direitos difusos e coletivos em sentido estrito - é que está a maior dificuldade de aplicação da norma, porquanto supõem, por definição, titulares indeterminados ou indetermináveis, ligados por circunstâncias de fato, sendo imprópria a cisão dos efeitos da sentença em razão de alegada limitação territorial.
Esse é, por exemplo, o magistério de Teori Albino Zavascki, citado por Mancuso, para quem, no caso de direitos difusos e coletivos stricto sensu :
[...] não há como cindir territorialmente a qualidade da sentença ou da relação jurídica nela certificada. Observe-se que, tratando-se de direitos transindividuais, a relação jurídica litigiosa, embora com pluralidade indeterminada de sujeitos no pólo ativo, é única e incindível (indivisível). Como tal, a limitação territorial da coisa julgada é, na prática, ineficaz em relação a ela. Não se pode circunscrever territorialmente (circunstância do mundo físico) o juízo de certeza sobre a existência ou a inexistência ou o modo de ser de relação jurídica (que é fenômeno do mundo dos pensamentos). ( Apud. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit. , p. 320).
Enfim, por todos esses motivos, a tese recursal não pode ser acolhida para limitar o foro em que tramitará o cumprimento individual de sentença proferida em ação civil pública.
4. Alcance subjetivo da sentença proferida em ação civil pública (art. 2º-A da Lei n. 9.494/97)

Pretende o recorrente a aplicação do art. 2º-A da Lei n. 9.494/97 às execuções individuais de sentença proferida na ação civil pública ajuizada pela Apadeco, em abril de 1998 , relativa às diferenças de correção em saldos de cadernetas de poupança, entre junho de 1987 e janeiro de 1989.
O dispositivo citado possui a seguinte redação:
Art. 2 o -A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Cumpre ressaltar, primeiramente, que o mencionado artigo foi acrescentado à Lei n. 9.494/97 por força da Medida Provisória n. 1.798-1, de 11 de fevereiro de 1999 , e que, somente depois de inúmeras outras medidas provisórias, o texto foi definitivamente consolidado pela Medida Provisória n. 2.180-35, de 2001.
A limitação contida no art. 2º-A, caput , da Lei n. 9.494/97, de que a sentença proferida"abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação , domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator", evidentemente não pode ser aplicada aos casos em que a ação coletiva foi ajuizada antes da entrada em vigor do mencionado dispositivo, sob pena de perda retroativa do direito de ação das associações.
A jurisprudência, nesse sentido, é unânime:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇAO RESCISÓRIA. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO PROLATOR DO ACÓRDAO RESCINDENDO. MATÉRIA ANALISADA SOB O PRISMA CONSTITUCIONAL. LIMITAÇAO DOS EFEITOS DO ACÓRDAO RESCINDENDO. INVIABILIDADE. REAJUSTE DE 28,86%. BASE DE CÁLCULO. INCIDÊNCIA SOBRE A RAV RETRIBUIÇAO ADICIONAL VARIÁVEL. POSSIBILIDADE. MULTA DO ART. 488, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE À FAZENDA PÚBLICA.
[...]
2. As regras relativas à fixação da competência firmam-se na data do ajuizamento da demanda. No caso, é inaplicável o disposto no art. 2º-A da Lei n.º 9.494/97, acrescentado pela Medida Provisória n.º 2.180-35, de 24/08/2001, que limita os efeitos da decisão rescindenda, na medida em que a ação de conhecimento, cujo acórdão ora se busca rescindir, foi ajuizada antes de sua vigência.
[...]
(REsp 663.116/AL, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2008, DJe 24/03/2008)
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PROCESSO CIVIL. AÇAO COLETIVA. EXIGÊNCIAS IMPOSTAS PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.781/99 QUE ALTEROU A LEI Nº 9.494/97. AÇAO AJUIZADA ANTERIORMENTE. IRRETROATIVIDADE. PRECEDENTES.
As nova exigências impostas pela Medida Provisória nº 1.781/99, que alterou a redação da Lei nº 9.494/97, não podem retroagir para alcançar ação ajuizada antes de sua vigência. As normas processuais têm efeitos imediatos, mas não retroativos. Precedentes.
Recurso desprovido.
(REsp 537.620/PB, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/10/2004, DJ 29/11/2004, p. 371)
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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. ASSOCIAÇAO. LEGITIMIDADE ATIVA COMO SUBSTITUTA PROCESSUAL. POSSIBILIDADE.
As associações possuem legitimidade para defender em juízo os direitos da categoria, quer nas ações ordinárias, quer nas coletivas, ocorrendo a chamada substituição processual, sendo exigida a ata da assembleia geral e o rol de substituídos somente após a vigência da MP n. 2.180-35/01, que alterou a Lei n. 9.494/97. Precedentes.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1153499/GO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe 14/12/2009)
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Por outro lado, na sentença proferida na ação civil pública ajuizada pela Apadeco, que condenara o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, não houve limitação subjetiva quanto aos associados, tampouco quanto aos domiciliados na Comarca de Curitiba/PR.
No caso dos autos, está-se a executar uma sentença que não limitou o seu alcance aos associados, mas irradiou seus efeitos a todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná.
Após o trânsito em julgado, descabe a alteração do seu alcance em sede de execução, sob pena de vulneração da coisa julgada.
Em situação semelhante, a eminente Ministra Nancy Andrighi sustentou entendimento idêntico:
A Lei nº 9.494/97 disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública.
Pelo seu art. 2.º, dá nova redação ao art. 16 da Lei nº 7.347/85, determinando que a sentença civil proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, salvo se o pedido for julgado improcedente.
E, pelo art. 2.º-A, determina que " a sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data de propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator ".
Já o seu parágrafo único dispõe que, " nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a data da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços ".
O TRF/4.ª Região, ao se pronunciar sobre a aplicação desses dispositivos legais ao caso concreto, assim se manifestou:
"Com o advento da MP n.º 1798-1, inserida no mundo jurídico em 11 de fevereiro de 1999 e sucessivamente reeditada até a atual MP 2102-32, de 21.06.01, foi alterada a redação da Lei 9.494/97, nos seguintes termos:
"Art. 2.º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos de seus associados, abrangerá somente os substituídos que tenham na data da propositura da ação domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra entidades da Administração Direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a petição inicial deverá obrigatoriamente ser instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos seus respectivos endereços."
Entendo que o objetivo da decisão judicial, ora em debate, foi justamente, ante a existência de direitos individuais homogêneos, em um único feito, decidir a questão de forma justa, observando a equidade em julgar.
A ação civil pública em questão foi proposta perante a 5.ª Vara em 17.03.2000, ou seja, antes do surgimento da MP que limitou a representação processual das entidades associativas aos seus associados. Como se depreende do trecho a seguir transcrito, a sentença exeqüenda foi expressa ao beneficiar a todos os poupadores do Estado do Paraná e não limitou os efeitos da coisa julgada aos associados da APADECO, verbis :
"(...) a pagar aos poupadores do Estado do Paraná , nas contas de caderneta de poupança mantidas junto à ré, iniciadas ou renovadas até 15.06.87 e 15.01.89, o valor da diferença apurada entre o que foi efetivamente creditado em suas contas nos meses referidos com o que deveria ter sido pago de acordo com o IPC apurado no período-em junho/87 e 42,72% em janeiro/89-(...)" (grifei)
Interposta apelação, pela CEF, da decisão na ação de conhecimento, o acórdão proferido por este Regional foi improcedente e não houve interposição de recurso para instância superior que questionasse tal limitação. Assim, resta sem sentido, a polêmica trazida nesta ação de execução.
Conclui-se, pois, que no caso dos autos, outra não poderia ser a solução, haja vista que a inovação legislativa não tem o poder de dissolver a coisa julgada."
Inicialmente, há de se reconhecer que a sentença proferida na ação civil pública em questão estendeu os seus efeitos a todos os poupadores do Estado do Paraná que mantiveram junto à recorrente contas de caderneta de poupança iniciadas ou renovadas até 15/6/87 e 15/1/89, e não somente aos associados da APADECO.
Dessa forma, para se evidenciar a legitimidade ativa do recorrido para a causa, basta que ele demonstre possuir domicílio nos limites da competência territorial do TRF/4.ª Região, órgão que confirmou a sentença em segundo grau de jurisdição (art. 16 da Lei nº 7.347/85), e também comprove ser titular de conta de poupança junto à recorrente em qualquer dos períodos aludidos.
Porquanto o art. 2.º-A da Lei nº 9.494/97 limita os efeitos da coisa julgada aos associados somente quando a ação é proposta exclusivamente no interesse deles, é de se concluir que não se aplica à situação em exame, de modo que a todos os poupadores beneficiados com a sentença proferida, entre esses o recorrido, devem ser estendidos os efeitos da coisa julgada.
Ademais, há se se consignar que nas ações coletivas propostas por entidades associativas, o parágrafo único do art. 2.º-A da Lei nº 9.494/97 só exige a apresentação da relação nominal e de endereços dos associados quando a ação é proposta contra entidades da administração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Portanto, por se tratar a recorrente de empresa pública, os efeitos do referido dispositivo legal a ela não se estendem.
Conclui-se, pois, pela inexistência de violação dos arts. 2.º e 2.º-A da Lei nº 9.494/97.
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
Processual. Recurso especial. Ação de execução. Título executivo judicial. Sentença proferida em ação civil pública contra empresa pública, favoravelmente aos poupadores do Estado. Extensão da coisa julgada. Comprovação da legitimidade ativa do credor. Demonstração de vínculo associativo. Apresentação de relação nominal e de endereço dos associados. Desnecessidade.
- Porquanto a sentença proferida na ação civil pública estendeu os seus efeitos a todos os poupadores do Estado do Paraná que mantiveram contas de caderneta de poupança iniciadas ou renovadas até 15/6/87 e 15/1/89, a eles devem ser estendidos os efeitos da coisa julgada, e não somente aos poupadores vinculados à associação proponente da ação.
- Para a comprovação da legitimidade ativa de credor-poupador que propõe ação de execução com lastro no título executivo judicial exarado na ação civil pública, despicienda se mostra a comprovação de vínculo com a associação proponente da ação ou a apresentação de relação nominal e de endereço dos associados.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 651037/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2004, DJ 13/09/2004, p. 241)
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Com efeito, acolhendo as ponderações da maioria da Corte Especial, incorporo como razões do voto as conclusões do eminente Ministro Teori Zavascki: " havendo sentença, na ação civil pública coletiva proposta pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO, afirmando que sua eficácia subjetiva abrange a todos os poupadores em cadernetas de poupança do Estado do Paraná, é absolutamente impertinente, em fase de liquidação e execução, qualquer novo questionamento a respeito, já que, tendo transitado em julgado, a referida sentença se tornou imutável e indiscutível (CPC, art. 467) ".
5. Incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC
No ponto, cuida-se de saber se a simples nomeação de bens à penhora pelo executado afasta a incidência da multa do art. 475-J do CPC .
Contudo, muito embora relevante a questão ora apresentada, a tese recursal de descabimento da multa, no particular, não foi objeto de deliberação pelo acórdão recorrido, circunstância que faz incidir a Súmula n. 282 e 356 do STF.
Aliás, a decisão monocrática do eminente Desembargador Relator, que negou seguimento ao agravo, é textual:
Preliminarmente, deixo de conhecer do pedido de afastamento da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil, pois, ao nos atermos aos autos de execução de sentença, constata-se que não houve, por parte do d. juiz"a quo", a análise da incidência ou não da referida multa.
Denota-se, pois, que o agravante incorreu em flagrante inovação recursal quanto à matéria ora levantada, não podendo ser conhecido o recurso de agravo de instrumento nestes pontos, já que a apreciação de matéria não discutida perante o juiz singular implica em supressão de instância. (fl. 99)
Não se conhece do recurso especial no particular.
6. Conclusões
Com suporte na fundamentação ora apresentada, para efeitos do art. 543-C do CPC, encaminho as seguintes teses:

1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)
2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput , da Lei n. 9.494/97.

7. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e nego-lhe provimento.
É como voto.
CERTIDAO DE JULGAMENTO
CORTE ESPECIAL
Número Registro: 2011/0053415-5
REsp 1.243.887 / PR
Números Origem: 124310220108160000 201000113161 387651998 3876598 675189900 675189902
PAUTA: 21/09/2011 JULGADO: 21/09/2011
Re

AUTUAÇAO
RECORRENTE : BANCO BANESTADO S/A
ADVOGADO : LEONARDO DE ALMEIDA ZANETTI E OUTRO (S)
RECORRIDO : DEONÍSIO ROVINA
ADVOGADO : RENATA DEQUECH E OUTRO (S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Contratos Bancários
CERTIDAO
Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado por indicação do Sr. Ministro Relator.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.243.887 - PR (2011/0053415-5)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO
RECORRENTE : BANCO BANESTADO S/A
ADVOGADO : LEONARDO DE ALMEIDA ZANETTI E OUTRO (S)
RECORRIDO : DEONÍSIO ROVINA
ADVOGADO : RENATA DEQUECH E OUTRO (S)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. AÇAO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA GENÉRICA PROFERIDA EM AÇAO COLETIVA MOVIDA PELA APADECO. ÂMBITO DE EFICÁCIA EXECUTIVA DA SENTENÇA EXEQÜENDA: COISA JULGADA. COMPETÊNCIA DE FORO. APLICAÇAO DO REGIME GERAL.
1. Havendo sentença, na ação civil coletiva proposta pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO, afirmando que sua eficácia subjetiva abrange a todos os poupadores em cadernetas de poupança do Estado do Paraná, é absolutamente impertinente, em fase de liquidação e execução, qualquer novo questionamento a respeito, já que, tendo transitado em julgado, a referida sentença se tornou" imutável e indiscutível "(CPC, art. 467).
2. A competência para a ação individual de cumprimento ("liquidação e execução"- art. 98, 2º, I da Lei 8.078/90) de sentença genérica proferida em ação coletiva é determinada pelas regras gerais do CPC, mais especificamente no seu Livro I, Título IV, como ocorre com a liquidação e execução da sentença penal condenatória, da sentença estrangeira, da sentença arbitral (CPC, art. 475-P, III) e dos títulos executivos extrajudiciais.
3. Recurso parcialmente conhecido e improvido, acompanhando, nas conclusões, o voto do Ministro relator.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:
1.Cuidam os autos originariamente de execução individual de sentença proposta por Deonísio Rovina na Comarca de Londrina/PR. Segundo a petição inicial dessa execução (fls. 30-33), a Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO ajuizou" ação civil pública "n. 38.765/98, em face do Banco Banestado S/A, que foi processada perante a 1ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, dela resultando a condenação da referida instituição financeira ao pagamento, aos titulares de contas-poupança do Estado do Paraná, das diferenças de correção monetária expurgadas em razão dos planos econômicos relativos a junho de 1987 e janeiro de 1989. Assim, com base nessa sentença, promoveu a execução, juntando memória de cálculo do valor que considerou devido. A execução foi proposta na Comarca de Londrina - PR, onde o exeqüente é domiciliado.
O Banco Banestado S/A apresentou impugnação à execução (fls. 62-76), que foi rejeitada em 1ª instância (fls. 85-86). Irresignado, o executado interpôs agravo de instrumento (fls. 02-21), alegando, em síntese, que (a) a decisão emanada da ação civil pública produz efeitos somente nos limites da Comarca de Curitiba, que delimita a competência territorial do juízo de origem, sendo o exequente, por isso mesmo, parte ilegítima para figurar no polo ativo da ação executiva, já que não é poupador naquela Comarca; (b) o exequente não demonstrou possuir vínculos com a APADECO, não podendo se beneficiar da sentença proferida na Ação Civil Pública; (c) é inaplicável ao caso a multa prevista no art. 475-J do CPC; (c) há excesso de execução, tendo em vista o índice de juros moratórios aplicado.
Em decisão monocrática (fls. 98-111), negou provimento ao recurso. Dessa decisão, houve a interposição de agravo regimental, o qual foi negado provimento, sob os seguintes fundamentos: (a) a sentença proferida na ação civil pública beneficia todos os detentores de caderneta de poupança do Estado, sem necessidade de comprovação de vínculo associativo com a APADECO por parte do poupador (fls. 143/147); (b)"(...) os juros têm por termo inicial de contagem a citação do agravante para a ação de conhecimento, e não possui previsão legal a interpretação de que sejam limitados a 1 % ao ano"(fl. 148); (c) aplica-se à hipótese a disciplina prevista nos arts. 475-B e 475-J do CPC, já que a execução foi proposta quando vigente a Lei 11.232/05.
No recurso especial, o recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos seguintes dispositivos: (a) arts. 575 e 589 do CPC, pois"(...) sendo a execução definitiva, esta deveria ser processada nos autos principais da causa, na mesma vara em que tramitou, ou seja, junto ao Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública, Falência e Concordata da Comarca de Curitiba"(fl. 162); (b) arts.166 da Lei7.3477/85, na medida em que os efeitos da sentença proferida devem se restringir aos limites de competência do órgão prolator - no caso, comarca de Curitiba/PR; (c) art.475-JJ doCPCC, na medida em que é descabida a aplicação multa quando a execução foi garantida por penhora dentro do prazo legal. Indica, ainda, dissídio jurisprudencial, sustentando a inaplicabilidade do CDC à hipótese, pois os contratos de caderneta de poupança foram celebrados antes da Lei Consumerista.
O recurso especial foi admitido (fls. 209-211) e submetido ao regime previsto no art. 543-C do CPC (fls. 222-223). Houve parecer do Ministério Público Federal, no qual opina pelo conhecimento e parcial provimento do recurso (fls. 294-300). Manifestaram-se a Federação Brasileira de Bancos - FEBRABAN (fls. 307-898) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC (fls. 911-914), ambos enfocando, com opiniões opostas, a questão da competência de foro.
O relator, Ministro Luis Felipe Salomão, votou no sentido de, preliminarmente, conhecer parcialmente do recurso especial, já que a discussão a respeito da aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC não está prequestionada; e, no mérito, negou provimento ao recurso.
2.Conforme se percebe, são três, a rigor, as pretensões deduzidas no recurso:
(a) a da limitação eficácia subjetiva da sentença proferida na ação coletiva (que, segundo o recorrente, beneficia apenas os associados da APADECO domiciliados na Comarca de Curitiba, o que levaria à ilegitimidade ativa do recorrido, domiciliado em outra Comarca, a de Londrina - PR);
(b) a da competência de foro, que, no entender da recorrente, seria o juízo em que proferida a sentença na ação coletiva (e não o do domicílio do exequente); e
(c) a do não-cabimento da multa prevista no art.475-JJ doCPCC (que segundo a recorrente não se aplica ao caso).
Registre-se, quanto aos dois primeiros temas, que houve certa confusão do acórdão recorrido (fls. 141/156) que, ao tratar da extensão da eficácia subjetiva da sentença (para efeito de definir se ela beneficiou todos os poupadores do Estado do Paraná ou exclusivamente os de Curitiba), invocou, além de fundamentos próprios desse tema da eficácia subjetiva, também fundamentos, mormente a respeito do foro competente para a ação de"liquidação e execução", de que trata o art.988,2ºº, I da Lei8.0788/90 -Código de Defesa do Consumidorr. Todavia, essas são questões distintas e inconfundíveis: a definição da eficácia subjetiva tem por conseqüência a afirmação ou não da existência de título executivo em favor do poupador exeqüente, acarretando, portanto, em caso negativo, a ilegitimidade ativa e a extinção do processo de execução; já a definição sobre competência de foro acarreta, na pior das hipóteses, apenas a remessa dos autos ao juiz competente. Tratam-se, portanto, de questões distintas, tendo sido corretamente enfrentadas e julgadas de modo distinto pela sentença de primeiro grau (fls. 85-86).
Feito esse esclarecimento, aqui os temas são tratados separadamente.
3.Quanto ao primeiro e ao terceiro ponto, as questões são semelhantes às desenvolvidas no REsp 1.247.150, também de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, razão pela qual me reporto ao voto-vista lá apresentado, que, no particular, registrou:
3.Ora, assim delimitada a primeira questão, sua solução, no caso concreto, se apresenta evidente: trata-se de questão enfrentada e decidida na própria sentença proferida na ação coletiva, já transitada em julgado. Nela ficou declarado e reconhecido que a sua eficácia subjetiva abrangia à universalidade dos poupadores do Estado do Paraná. É o que registrou o voto do relator, Ministro Luis Felipe Salomão, invocando voto da Ministra Nancy Andrighi, no REsp 651037, 3ª Turma, DJ de 13/09/04, onde se disse:
"A ação civil pública em questão foi proposta perante a 5.ª Vara em 17.03.2000, ou seja, antes do surgimento da MP que limitou a representação processual das entidades associativas aos seus associados. Como se depreende do trecho a seguir transcrito, a sentença exeqüenda foi expressa ao beneficiar a todos os poupadores do Estado do Paraná e não limitou os efeitos da coisa julgada aos associados da APADECO, verbis :
"(...) a pagar aos poupadores do Estado do Paraná , nas contas de caderneta de poupança mantidas junto à ré, iniciadas ou renovadas até 15.06.87 e 15.01.89, o valor da diferença apurada entre o que foi efetivamente creditado em suas contas nos meses referidos com o que deveria ter sido pago de acordo com o IPC apurado no período-em junho/87 e 42,72% em janeiro/89-(...)" (grifei)
Interposta apelação, pela CEF, da decisão na ação de conhecimento, o acórdão proferido por este Regional foi improcedente e não houve interposição de recurso para instância superior que questionasse tal limitação. Assim, resta sem sentido, a polêmica trazida nesta ação de execução".
Sendo assim, tollitur quaestio : havendo atestado jurisdicional, com trânsito em julgado, no sentido de que a sentença proferida na ação civil pública, proposta pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO, tem eficácia subjetiva em relação a todos os poupadores em cadernetas de poupança do Estado do Paraná, é absolutamente impertinente, em fase de liquidação e execução, qualquer novo questionamento a respeito, por mais injusta que possa ter sido aquela decisão e por mais valiosos que possam ser os fundamentos jurídicos a ela contrários. Referida sentença deve ser mantida pela superior e suficiente razão de que, tendo transitado em julgado, se tornou" imutável e indiscutível "(CPC, art. 467).
4.O segundo ponto consiste em saber se é aplicável ou não a multa de que trata o art. 475-J do CPC, que assim dispõe:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
O dispositivo em questão, como se percebe, veio conferir às sentenças condenatórias uma qualidade de que antes não eram dotadas: a de estarem sujeitas a imediata e espontanea exeqüibilidade, sob pena de multa. Ora, as qualidades e os efeitos das sentenças, inclusive no que se refere ao grau de seu potencial de executividade, são definidos pela lei vigente à data da sua formação (= de sua prolação), não podendo ser alteradas, seja para efeito de ampliá-las, seja para reduzi-las, por norma posterior e com efeito retroativo. Seria ofensivo ao art. , XXXVI da Constituição ("a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada ") impor às sentenças, retroativamente, efeitos de que não eram dotadas, ou delas retirar, supervenientemente, efeitos de que dispunham quando foram proferidas. Isso importaria modificar retroativamente a situação jurídica das partes.
Discussão semelhante foi enfrentada no STJ quando do advento da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001, que introduziu o parágrafo único ao art. 741 do CPC, dispositivo que também alterou o potencial de executividade das sentenças, permitindo que, em embargos à execução, pudesse ser invocada a"inexigibilidade do título"judicial quando "fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal". Na oportunidade, os precedentes do STJ foram uniformes no sentido de que essa nova disposição normativa, como todas as leis, não podia ter efeito retroativo para alcançar sentenças já proferidas em data anterior à sua vigência. Como asseverou, com inteira propriedade, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em julgamento da espécie,"(...) A alegação de coisa julgada inconstitucional em sede de embargos à execução, nos termos do artigo 741, parágrafo único, do CPC, inserido pela Medida Provisória n.º 2.180/2001, somente pode valer a partir da sua edição da respectiva norma, em respeito aos princípios constitucionais da coisa julgada (explícito) e da segurança jurídica (implícito)"(AgRg no AgRg no AgRg no Ag 722447/SP, Min. , DJe 14/12/2009). Nesse mesmo sentido são os precedentes que seguem. Da 1ª Turma: REsp 718432/SC, de minha relatoria, DJ 02/05/2005; REsp 667362/SC, Min. José Delgado, DJ 21/03/2005; REsp 692788/SC, Min. Teori Albino Zavascki, DJ 06/03/2006; AgRg no REsp 711302/SC, Min. Francisco Falcão, DJ 03/10/2005. Da 2ª Turma: AgRg no REsp 727645/MG, Min. Franciulli Neto, DJ 05/09/2005; AgRg no Ag 582686/DF, Min. Franciulli Neto, DJ 06/02/2006; AgRg no Ag 691890/MG, Min. Humberto Martins, DJ 29/08/2006; AgRg no REsp 686292/MG, Min. Humberto Martins, DJ 28/08/2006. Da 5ª Turma: REsp 766220/RN, Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 23/06/2008; REsp 651429/RS, Min. José Arnaldo da Fonseca DJ 18/10/2004; EDcl no REsp 795710/RS, Min. Félix Fischer, DJ 26/02/2007. Da 6ª Turma: AgRg no REsp 902003/AL, Min. Haroldo Rodrigues - Desembargador convocado, DJe 30/08/2010; AgRg no AgRg no AgRg no Ag 722447/SP, Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 14/12/2009.
No caso, a execução tem como título executivo a sentença proferida na ação civil coletiva, cujo trânsito em julgado se deu antes da entrada em vigor da Lei 11.232/05 (que introduziu o art. 475-J no CPC). A aplicação desse dispositivo a essa sentença importaria agravar, retroativamente, a situação jurídica do executado perante o exeqüente.
5.Por outro lado, ainda que se pudesse superar esse empecilho de direito intertemporal, é preciso considerar que as sentenças proferidas em ação civil coletiva, como a que serviu de base à execução, têm, por definição e natureza, um conteúdo genérico (Lei 8.078/90, art. 95), dela não constando, nem o nome do credor e muito menos a quantia a ele devida, não se revestindo, por isso mesmo, de liquidez e exigibilidade necessárias à sua execução forçada ou mesmo ao seu cumprimento espontâneo. Sentenças dessa natureza somente se tornam líquidas e exigíveis após nova intervenção judicial, com elevada carga cognitiva, a ser desenvolvida na ação de liquidação e execução a que se referem os artigos 97 e 98 daquela Lei, ao cabo da qual ficarão certificados os elementos faltantes do título executivo. Justamente por isso - por não se tratar, essa atividade jurisdicional superveniente, de mera atividade executiva, mas também cognitiva - é que esta Corte Especial editou a Súmula 345, para afirmar que a Fazenda Pública, embora dispensada de pagar honorários em execuções comuns, ficava sujeita a essa verba quando se tratasse de"execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas". Num dos precedentes da Corte Especial que deram sustento à referida Súmula (EResp 691.563, Min. Ari Pargendler, DJ 26.06.06), foram acolhidos os fundamentos do acórdão paradigma, proferido na 1ª Seção (EREsp nº 475.566, de minha relatoria), onde se disse:
"... A despeito de ser conhecida como um processo executivo, a ação em que se busca a satisfação do direito declarado em sentença de ação civil coletiva não é propriamente uma ação de execução típica. As sentenças proferidas no âmbito das ações coletivas para tutela de direitos individuais homogêneos, por força de expressa disposição do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, art. 95), são condenatórias genéricas. Nelas não se especifica o valor da condenação nem a identidade dos titulares do direito subjetivo. A carga condenatória, por isso mesmo, é mais limitada do que a que decorre das demais sentenças condenatórias. Sobressai nelas a carga de declaração do dever de indenizar, transferindo-se para a ação de cumprimento a carga cognitiva relacionada com o direito individual de receber a indenização. Assim, a ação de cumprimento não se limita, como nas execuções comuns, à efetivação do pagamento. Nelas se promove, além da liquidação do valor se for o caso, o juízo sobre a titularidade do exeqüente em relação ao direito material, para somente então se passar aos atos propriamente executivos.
Ora, o art. 475-J impõe como condição para a incidência da multa a de negar-se o executado a cumprir espontaneamente, no prazo de quinze dias, sentença condenatória de "pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação". Dessas características não se reveste, conforme salientado, a sentença genérica proferida em ação civil coletiva (Lei 8.078/90, art. 95), já que, conforme se disse, a condenação foi genérica (sem identificação dos possíveis beneficiados e, muito menos, de "quantia certa") e não houve prévia liquidação. A execução foi proposta diretamente com base na sentença genérica, acompanhada de memória apresentada pelo próprio exeqüente. Portanto, a "quantia certa" efetivamente devida está sendo apurada no âmbito da própria execução forçada.
Assim, ainda que superado o óbice de direito intertemporal antes referido, é certo que, no caso, não estão presentes as condições objetivas descritas no art. 475-J como indispensáveis a atrair a sua incidência.
4.Anote-se que, quanto à questão da multa, o recurso não pode ser conhecido, por falta de prequestionamento.
5.Quanto à competência para a ação de cumprimento da sentença genérica proferida em ação coletiva (ação de "liquidação e execução" de que trata o art. 98, 2º, I da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor), peço licença para reportar-me a texto doutrinário a respeito (Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 5ª ed., SP:RT, 2011, p. 179/180):
No que se refere à competência, a ação de cumprimento não está subordinada ao princípio geral, inspirador do sistema do CPC (art. 475-P), segundo o qual o juízo da ação é também juízo para a execução. Esse princípio tem sua razão de ser ligada ao que geralmente ocorre no processo comum, em que o juízo da ação promove a atividade cognitiva em sua integralidade. Para esses casos o princípio se justifica. Conforme escreveu Pontes de Miranda, "o juízo que julgara está em posição de melhor executar o que decidira", razão pela qual "a regra jurídica do art. 575, I, como a do art. 575, II, atende a isso, à prioridade decorrente da ligação entre o processo de cognição e o de execução" (Pontes de Miranda, F. C. Comentários ao Código de Processo Civil . Rio de Janeiro: Forense, 1974, t. IX, p. 160. Os artigos citados correspondem, após a Lei 11.232/2005, aos arts. 475-P, I, e 475-P, II.) Assim, fundado no pressuposto da conexidade sucessiva dessas ações, o princípio busca atender o interesse público de melhor desempenho da função jurisdicional.
Relativamente às ações de cumprimento das sentenças genéricas das ações coletivas, não se fazem presentes os pressupostos orientadores do citado princípio. O juízo da sentença primitiva foi limitado quanto à cognição, que ficou restrita ao núcleo de homogeneidade dos direitos. A especificação da matéria, a sua individualização em situações concretas, dar-se-á, na verdade, justamente nessa segunda etapa da atividade cognitiva. Assim, a relação entre cognição da primeira fase e liquidação não se dá, aqui, com o grau de profundidade existente em outras situações. Por outro lado, a adoção do princípio antes referido certamente não contribuiria para alcançar os objetivos a que se destina. Pelo contrário, a concentração de todas as ações de cumprimento num único juízo acarretaria não um melhor desempenho, e sim o emperramento da função jurisdicional. Ademais, dependendo das circunstâncias de fato, sua adoção deixa o titular do direito subjetivo em condições piores do que se tivesse promovido desde logo sua demanda individual. É o que ocorre, por exemplo, com os demandantes cujo domicílio é outro que não o do juízo da ação coletiva.
Por tais razões, não faz sentido aplicar aqui o princípio da vinculação necessária entre juízo da ação e juízo da execução. A competência para a ação de cumprimento será determinada pelas regras gerais do CPC, mais especificamente no seu Livro I, Título IV, como ocorre com a liquidação e execução da sentença penal condenatória, da sentença estrangeira, da sentença arbitral (CPC, art. 475-P, III) e dos títulos executivos extrajudiciais.
Esses fundamentos podem ser traduzidos com outras palavras: a competência para a ação de cumprimento da sentença genérica é do mesmo juízo que seria competente para eventual ação individual que o beneficiado poderia propor, caso não preferisse aderir à ação coletiva.
6.Em suma, é de se acolher, nas conclusões, o voto do relator. Todavia, quanto aos fundamentos, a serem adotados para os fins previstos no art. 543-C, meu voto é no seguinte sentido:
a) Quanto ao primeiro ponto controvertido: havendo sentença, na ação civil coletiva proposta pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor - APADECO, afirmando que sua eficácia subjetiva abrange a todos os poupadores em cadernetas de poupança do Estado do Paraná, é absolutamente impertinente, em fase de liquidação e execução, qualquer novo questionamento a respeito, já que, tendo transitado em julgado, a referida sentença se tornou "imutável e indiscutível " (CPC, art. 467).
b) Quanto ao segundo ponto: a competência para a ação individual de cumprimento ("liquidação e execução" - art. 98, 2º, I da Lei 8.078/90) de sentença genérica proferida em ação coletiva é determinada pelas regras gerais doCPCC, mais especificamente no seu Livro I, Título IV, como ocorre com a liquidação e execução da sentença penal condenatória, da sentença estrangeira, da sentença arbitral (CPC, art. 475-P, III) e dos títulos executivos extrajudiciais
7.Com esses fundamentos, acompanho, na conclusão, o voto do relator.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.243.887 - PR (2011/0053415-5)
VOTO-VENCIDO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, assim como já havia feito na sessão passada, acompanho o primeiro voto do Sr. Ministro Relator e, agora, o voto do Sr. Ministro Raul Araújo, com a devida vênia do voto do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.
Entendo que a regra geral, no Processo Civil, vocacionada é certo a processos individuais, é a execução dar-se no juízo de primeiro grau prolator da decisão a ser executada. Em se tratando de processo de execução de sentença coletiva, há uma regra mais específica, a do art. 98 do Código do Consumidor, aplicável também à Lei de Ação Civil Pública, a qual dá ao consumidor a opção de escolha pelo juízo da sentença condenatória (o que será imperativo caso a execução seja ajuizada de forma coletiva), ou pelo juízo do seu domicílio, em caso de liquidação e execução individual.
Mas, tendo em vista a abstração da sentença coletiva, que é quase como uma lei, porque não estabelece o nome de cada um dos beneficiários e a quantia a cada um devida, deverá haver uma importante fase cognitiva na própria fase liquidação.
Penso que o primeiro voto do Ministro Salomão, agora encampado pelo Ministro Raul Araújo, no sentido de limitar a possibilidade de escolha do consumidor/liquidante ao âmbito territorial de jurisdição do Tribunal ao qual está vinculado o juiz prolator da sentença coletiva, bem compatibiliza a regra do art. 98 do CDC (possibilidade de escolha pelo consumidor do juízo de prolator da sentença coletiva ou o de seu domicílio) com os princípios legais e constitucionais do sistema processual vigente.
O ideal seria que todas as liquidações/execuções individuais fossem processadas perante o juízo prolator da sentença liquidanda. Isto daria uniformidade à interpretação da regra de direito determinada pela sentença para todos os casos em tese subsumíveis à coisa julgada. Este entendimento, todavia, privaria de sentido a possibilidade de escolha que se extrai do art. 98 do CDC, além da dificuldade prática de inviabilizar os trabalhos de uma vara com milhares de liquidações individuais da mesma sentença coletiva.
Mas essa solução inicialmente imaginada pelo Sr. Ministro Relator, de que pudesse ser liquidada e executada a sentença coletiva perante qualquer juiz que tivesse suas decisões passíveis de revisão por um mesmo tribunal, daria mais uniformidade e coerência ao processo de liquidação e execução dessa sentença coletiva.
A defesa do consumidor é facilitada, porque não precisa constituir advogado na capital do Estado. Mas, se pretende litigar em outra unidade da federação, diversa daquela onde proferida a sentença coletiva, resta-lhe a via do processo de conhecimento autônomo, em seu domicílio, caso situado em local estranho ao Estado onde tramitou a ação coletiva.
O reconhecimento da possibilidade de uma única sentença coletiva ser objeto de liquidações individuais espalhadas por todo o País, com os respectivos recursos interpostos para diferentes Tribunais, enseja a possibilidade de interpretações completamente diferentes do comando da sentença coletiva - regra de direito ditada não para um caso concreto, mas para múltiplas relações jurídicas, cujos substratos de fato e de direito não são delineados com precisão no título executivo. Estas múltiplas interpretações possíveis, mesmo em causas de valor elevado, fora da competência dos Juizados Especiais, não serão passíveis de uniformização pelo STJ, porque não cabe recurso especial por violação de sentença e nem por divergência jurisprudencial a respeito de interpretação de sentença coletiva.
Figuro um exemplo que aconteceu no Rio de Janeiro: o desabamento dos Edifícios Palace I e Palace II. Há uma ação coletiva com uma sentença coletiva transitada em julgado no Rio de Janeiro, que provocou várias liquidações e execuções individuais da sentença coletiva. A sentença é bastante genérica. Ela assegura direito de indenização a todos os prejudicados pelo desabamento do Palace. Não está claro, na sentença, se são apenas os prejudicados pelo desabamento do Palace I ou também aqueles que possuíam imóveis no Palace II, cujas estruturas foram abaladas, tendo tido o preço depreciado no mercado.
Não está claro, também, qual é o tipo de prejuízo abrangido pela condenação e, nos vários procedimentos de liquidação e execução individual dessa sentença, argumenta-se, ora que a sentença favorece só quem era proprietário de imóvel no Palace I, ora quem era proprietário de imóvel também no Palace II, ora apenas quem era proprietário de apartamento, ora o ocupante a qualquer título. Há casos em que se alega que até transeuntes que passavam na frente do prédio sofreram, ao testemunhar o desabamento, e pedem danos, todos em processo de liquidação dessa única sentença coletiva.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por suas diferentes Câmaras, vem decidindo estas questões de forma mais uniforme, certamente, do que ocorreria se a interpretação da sentença coletiva estivesse a cargo de juízes e tribunais revisores de diversos estados.
Recurso especial para o STJ somente será cabível em caso de violação de lei, mas não meramente em função de diferentes interpretações dadas à referida sentença coletiva. Sequer ofensa à coisa julgada se poderá alegar, se as diferentes interpretações forem cabíveis em face do decidido no processo de conhecimento.
Assim, penso que se fosse possível ajuizar liquidações dessa sentença coletiva em qualquer lugar do País, conforme o domicílio atual de cada lesado, haveria possibilidade de interpretação totalmente diferente do próprio direito que estaria sendo assegurado na sentença, e não há um Tribunal uniformizador de interpretação de sentença coletiva. O STJ é uniformizador da interpretação do direito federal.
Penso que a circunstância de o consumidor poder ajuizar uma ação de conhecimento no local do seu domicílio é uma vantagem. Ele pode ajuizar uma ação de conhecimento no local do seu domicílio, que vai ser objeto de uma sentença e de um recurso de apelação, todos eles decididos com base na lei aplicável e, se for lei federal e houver possibilidade de violação à lei federal, haverá possibilidade de uniformização no STJ, da interpretação da lei federal. Mas, mais difícil seria, em tese, o acesso ao STJ para uniformizar interpretações diversas da mesma sentença coletiva, de modo que se poderia, em tese, haver uma sentença coletiva sujeita a interpretações quanto ao próprio bem da vida definido nela, diferentes, em vários Tribunais de Justiça.
Então, considero que a interpretação preconizada pelo voto primeiro do Relator, coerente com a convivência do regime do direito do consumidor, que possibilita o ajuizamento seja de ação individual, de conhecimento, onde ele quiser, em seu domicílio atual, mas, se ele pretende se favorecer de uma sentença coletiva, ele poderá ajuizar a liquidação no seu domicílio, desde que seu domicílio esteja situado no âmbito de jurisdição do tribunal revisor daquele juiz que deu a sentença coletiva. Esta é uma interpretação passível de ser extraída do sistema processual em vigor, nele compreendido o art. 98 do CDC e o princípio geral, extraído do Código de Processo Civil, de que a execução compete ao juiz que prolatou a sentença.
Assim, entendo que, no caso, a execução compete a qualquer juiz do Estado do Paraná, com possibilidade de recurso para o Tribunal de Justiça do Paraná.
Acompanho a divergência do Sr. Ministro Raul Araújo, com a devida vênia.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.243.887 - PR (2011/0053415-5)
VOTO-VENCIDO
O EXMO. SR. MINISTRO MARÇO BUZZI: Sr. Presidente, acompanho a divergência, exatamente nos moldes bem ponderados pela Sra. Ministra Isabel Gallotti.
Não se olvida dos termos do 475-B, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que permite, sim, que a execução de título judicial seja proposta pelo credor, inclusive, em qualquer município do Brasil, onde quer que os bens se encontrem à execução.
Então, quando foi aqui destacada pelos eminentes Pares a questão de se observar a lei geral ou alguma lei específica acerca desses requisitos, de todas as condições que estamos aqui discutindo, também quero deixar bem claro que não ignoro a existência desse artigo do Código de Processo Civil e do seu parágrafo único, em especial.
Mas, ainda assim, em nome da segurança jurídica, acompanho o entendimento muito bem esposado e declinado pela eminente Ministra Isabel Gallotti.
PRESIDENTE O SR. MINISTRO ARI PARGENDLER
RELATOR O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO
CORTE ESPECIAL - SESSAO DE 19/10/2011
Nota Taquigráfica
CERTIDAO DE JULGAMENTO
CORTE ESPECIAL
Número Registro: 2011/0053415-5
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp/ PR
Números Origem: 124310220108160000 201000113161 387651998 3876598 675189900 675189902
PAUTA: 21/09/2011 JULGADO: 19/10/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMAO
Ministros Impedidos
Exmo. Srs. Ministros : CESAR ASFOR ROCHA
MASSAMI UYEDA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HAROLDO FERRAZ DA NOBREGA
Secretária
Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA
AUTUAÇAO
RECORRENTE : BANCO BANESTADO S/A
ADVOGADO : LEONARDO DE ALMEIDA ZANETTI E OUTRO (S)
RECORRIDO : DEONÍSIO ROVINA
ADVOGADO : RENATA DEQUECH E OUTRO (S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Contratos Bancários
CERTIDAO
Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Corte Especial, por maioria, conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Vencidos os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti e Março Buzzi.
Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedidos os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Massami Uyeda.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Eliana Calmon, Francisco Falcão e João Otávio de N